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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O MURO DA HORA

Valter Pomar*

Quem militava em 1989 passou parte de sua vida tentando compreender e explicar por quais motivos aconteceu o desmanche do chamado campo socialista. Os que militam hoje estão diante da necessidade de compreender, explicar e principalmente intervir na crise que tem por epicentro dos Estados Unidos. Além do interessante debate acerca das causas "micro" da crise e sobre a dinâmica da economia estado-unidense, é preciso levar em conta o enquadramento "macro".

Em primeiro lugar, a crise atual tem origem nos anos 1970: foi para reagir à crise de então, que o grande capital e os governos dos Estados Unidos e Inglaterra desencadearam um movimento ideológico, político, militar e econômico que produziu o que chamamos de hegemonia neoliberal.

Quase quarenta anos depois assistimos a crise e ao esgotamento daquela "solução" neoliberal.Mas não voltamos ao ponto de partida. O mundo atual é muito mais capitalista do que o mundo dos anos 1970, uma vez que foram em grande medida removidas as limitações impostas pela existência do "campo socialista" e pela força da esquerda no interior dos países desenvolvidos.

Também por isto, a crise atual será muito mais complexa e muito mais profunda. Até porque não se trata de uma crise meramente "financeira" , entre outros motivos porque o crescimento da especulação financeira é em si mesmo uma conseqüência da própria dinâmica contraditória da acumulação capitalista.

Em segundo lugar, o esgotamento do neoliberalismo coincide com o declínio relativo da hegemonia dos Estados Unidos, sem que haja no horizonte um substituto e sem que as instituições políticas formadas no pós-Segunda Guerra sejam capazes de "administrar" a situação.

Declínio relativo: os EUA continuam sendo a potência hegemônica no terreno ideológico, político, militar e econômico inclusive. Mas esta hegemonia enfrenta crescentes problemas e contestações, parte deles (ironicamente) decorrente da grande vitória que os EUA obtiveram contra os socialistas, social-democratas e nacional-desenvolvi mentistas, ao longo dos anos 80.

Evidentemente, não está nos planos dos EUA perder influência. O pano de fundo das eleições presidenciais de novembro deste ano não é como "organizar a retirada", pelo contrário. Não se deve descartar que desta crise surja uma hegemonia renovada, tanto do capitalismo, quanto até mesmo dos Estados Unidos.

Por tudo isto, muito ao contrário do fim da história, o que vivemos e seguiremos vivendo pelo próximo período é uma brutal instabilidade. Inclusive porque o intenso "desenvolvimento" econômico da era neoliberal e suas conseqüências (ambientais, sociais, militares, políticas) enfraqueceu e transbordou todas as instituições políticas.

Qual a duração, qual a profundidade e quais as repercussões da crise? Não está claro, ainda. Mas é notável que, no lugar do catastrofismo de esquerda, estejamos assistindo ao catastrofismo de direita: de respeitáveis acadêmicos até especuladores profissionais, cresceu o número e a estridência dos que vaticinam o caos sistêmico, apontando

"na situação a mistura de traços do pré-Primeira Guerra com a crise dos anos 1930 nos EUA, cujos efeitos –sempre é bom lembrar— não foram totalmente superados pelo New Deal, mas sim pela Segunda Guerra."

Mesmo que descontemos a ignorância, o oportunismo e o pânico presentes em algumas destas análises, especialmente as tupiniquins, que no fundo querem é estimular o caos para com base nele fazer oposição a Lula, é preciso lembrar que onde há muita fumaça, algum fogo há. Até porque eles sabem, as vezes melhor do que nós, o tamanho da lambança feita nos mercados financeiros que, até ontem, eram prova máxima do "engenho criativo" e do "espírito animal" do capitalismo.

Por isso, um olho no gato e outro no peixe. Estamos em melhores condições de enfrentar esta crise, em alguma medida porque o atual governo (especialmente no segundo mandato) adotou políticas distintas do receituário clássico neoliberal. Mas o tamanho da crise não permite discursos ingênuos sobre o "tamanho das reservas", nem crenças tolas nos supostos bons procedimentos das grandes empresas nacionais.

Do que precisamos é dobrar a aposta no mercado interno e na integração continental; estabelecer controles sobre a entrada e saída de capitais; alterar a política de juros; fortalecer pesadamente o Estado e a soberania nacional sobre os recursos estratégicos, por exemplo ampliando o controle da União sobre as ações da Petrobrás. Estas e outras medidas em defesa das maiorias, o que inclui manter e ampliar as políticas sociais e as políticas orientadas ao desenvolvimento econômico.

O sonho nada secreto da direita é realizar, em 2009-2010, aquilo que eles desde 1989 diziam que aconteceria durante o governo Lula: o caos, a crise, o desgoverno. É preciso lembrar que a crise atual foi provocada pelas políticas que eles sempre defenderam; e que o Brasil está mais protegido, porque recusou estas políticas. Ou ninguém lembra da Alca?

Não basta, entretanto, provar que estávamos certos nas batalhas ideológicas de ontem e seguimos certos nas de hoje. É preciso, também,travar a batalha do futuro, acerca do redesenho da ordem internacional. E fazê-lo de uma perspectiva socialista, pois afinal de contas o que está aí é uma crise do sistema capitalista. E só nos faltava, na hora da crise, ajudar o bicho a se levantar de novo.


Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT

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